São Paulo 458 anos: várias histórias reveladas em um bairro.
Cidade é cheia de contrastes e formada por diversas culturas que ajudaram um povoado a se tornar metrópole.
ADAMO BAZANI – CBN
A aniversariante São Paulo, que completa 458 anos neste 25 de janeiro de 2012, é sem dúvida uma das cidades que mais abriga diversidades em todo o mundo.
São várias etnias, culturas, crenças, condições financeiras e sociais. Tantas características diferentes que se tornam a principal característica da cidade mais acolhedora do País.
Quando se fala em história de São Paulo, logo se imagina em nomes como o Padre José de Anchieta, Padre Manuel da Nóbrega, responsáveis pela construção do colégio dos jesuítas que foi o embrião da cidade, Mem de Sá, governador-geral do Brasil que ordenou a transferência do povoado de Santo André da Borda do Campo para as imediações do colégio, de vários bandeirantes que desbravaram o Estado, políticos de destaque entre outros.
São nomes importantes, mas São Paulo é muito mais que eles. São milhares de rostos que escrevem a cada dia a história da cidade que mais abre seus braços a todo o País.
São Paulo se desenvolveu com base em vários setores. A extração de pedras preciosas em alguns pontos, o café, a pecuária, as olarias, as manufaturas, a indústria de diversos ramos, o comércio, a prestação de serviços. Mas todos estes setores tiveram a participação fundamental do setor de transportes, tanto de carga como de passageiros.
A urbanização de São Paulo se intensificou após 1867 quando foi inaugurada a linha de trem Santos – Jundiaí.
Os negócios e residências de comerciantes e trabalhadores se fixavam com características urbanas nas áreas ao redor das estações.
O crescimento econômico de São Paulo foi grande, no ritmo de cada época. Começou já no século XIX a atrair mais intensamente imigrantes e pessoas de várias regiões do País.
Os terrenos perto das estações de trem já não davam conta do número crescente de indústrias, comércio e residências o que ampliou a especulação imobiliária. A alta procura e a infraestruttura instalada nestas áreas faziam com que os preços dos terrenos e imóveis subissem deixando os locais impossíveis de serem adquiridos ou alugados por uma classe de trabalhadores mais humildes que buscavam habitações com valores mais condizentes às suas realidades em áreas mais distantes.
Essas áreas, num primeiro momento, eram estritamente residenciais. As pessoas que nelas habitavam precisavam se deslocar para as regiões perto das estações de trens onde se concentravam as oportunidades de renda e trabalho.
Assim, os transportes dentro da cidade ganharam importância e cresciam com a população. Destaque para os bondes e os ônibus. Por exigirem uma estrutura mais elaborada, com trilhos, depois rede elétrica (os primeiros bondes eram puxados por animais) e um espaço relativamente grande, os bondes tinham expansão limitada frente ao ritmo de crescimento de São Paulo, em especial no período pós Segunda Guerra Mundial. As áreas de mais difícil acesso e que não recebiam tantos investimentos para a implantação de bondes eram atendidas por pequenos empreendedores que com suas jardineiras, ônibus rústicos de madeira sobre chassis de caminhão, ligavam a força de trabalho nas periferias ao capital no centro ou bairros mais desenvolvidos. Alguns bairros que já foram cidade, como Santo Amaro.
O primeiro momento dos transportes por ônibus entre os anos de 1911 e os de 1950 eram formados por pequenos empreendedores, que faziam de tudo: dirigiam, cobravam, consertavam os veículos e administravam a empresa, que muitas vezes era somente seus ônibus.
Depois muitos cresceram, aproveitaram oportunidades e de pequenos empreendedores se tornaram frotistas e alguns até formaram verdadeiros impérios com influência econômica e política nas decisões da cidade.
Para buscar compreender sob um outro ângulo uma parte da história tão farta da cidade de São Paulo, a reportagem se depara com um bairro e um nome.
O bairro é Moema, na zona Sul, que resume um pouco da diversidade de São Paulo.
Moema até 1987 era chamado de Indianópolis. Mas os moradores fizeram um abaixo assinado para o bairro ter o nome alterado. O nome Indianópolis permaneceu nas áreas vizinhas.
Abrigando moradias de alto padrão e outras com valor menor, com forte vida noturna, mas também com postos de trabalho, a região de Moema foi colonizada por imigrantes alemães e italianos a partir de 1880, que mantinham chácaras com algumas plantações.
O crescimento populacional era lento até que, acompanhando a tendência de São Paulo se tornar uma área tipicamente urbana, foi loteada em 1913 por Fernando Arens Júnior.
A expansão urbana e econômica da região, que contava com grandes lotes de preço baixo pela localização, se intensificou nos anos de 1960.
O prefeito Faria Lima foi responsável por modificar duas linhas de bondes que serviam a área (Vila Mariana – Moema e Moema – Estação Santo Amaro), que foram extintas por conta da mudança de perfil de deslocamentos, entrando ônibus na região, e importantes vias foram pavimentadas, como a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves e Avenida Aracy, atual avenida Indianópolis.
Moema teve sua própria empresa de ônibus. : a Auto Viação Moema. Aí, a reportagem se depara com um nome. Adolpho Aquilino, que foi proprietário da empresa entre 1964 e 1972 e participou do desenvolvimento do bairro e de parte da cidade.
Na última edição da VVR – Viver, Ver e Rever, em 26 de novembro de 2011, evento que reúne ônibus e caminhões antigos e várias histórias humanas, a reportagem encontrou com Adolpho e adiantou no mesmo dia aos leitores parte da entrevista com o empresário, mas agora traz a íntegra do bate papo.
Adolpho nasceu em 06 de fevereiro de 1930, no bairro do Canindé, na Capital Paulista.
O paulistano sempre viveu em meio aos transportes. Seu pai tinha 22 caminhões, era empreiteiro da prefeitura. O irmão, Arnaldo Aquilino, também teve empresas de ônibus, participando da Auto Viação Monções, Impala que fazia Belo Horizonte – São Paulo, Bola Branca, que foi uma das maiores empresas da zona Sul de São Paulo, entre outras.
Adolpho lembra das ruas de terra na Capital Paulista, em especial na região de Moema e via uma cidade se desenvolver de forma mista. Enquanto alguns bairros não muito distantes do centro, nos anos de 1970 pleiteavam pavimento, a chegada do metrô mesmo que tardia em comparação a outras capitais mudava a realidade dos transportes em São Paulo.
O empresário atuou no ABC Paulista com a Viação Santa Rosa. Ele comprou a linha São Caetano – Santos da EAOSA – Empresa Auto Ônibus Santo André, em 1957, e se lembra dos desafios de ligar o planalto ao litoral sul de São Paulo.
Confira a Íntegra do Bate Papo, que foi possível devido a colaboração do pesquisador da história dos transportes, Mário Brian.
ADAMO BAZANI – O senhor foi fundador da Viação Santa Rosa. Ela ligava a zona Leste de São Paulo ao Litoral, é isso?
ADOLPHO AQUILINO: Exatamente, eu fundei a Viação Santa Rosa em 1957. A linha São Caetano – Santos era da Empresa Auto Ônibus Santo André. Prolonguei a linha no lado do litoral para São Vicente e em São Paulo, da cidade de São Caetano para Mooca e depois da Mooca para Zona Leste. Fui acompanhando o crescimento da cidade.
A.B.: E como era a cidade naquela época?
A.A.: Era difícil operar transportes nesta época. Os ônibus não tinham plenas condições de fazer essa viagem. Já tinha a Anchieta, o que facilitou muito. Os monoblocos da Mercedes Benz, que eram mais confortáveis, não teriam condições de passar pela Estrada Velha de Santos, que tinha curvas muito fechadas.
A.B: E dentro do perímetro urbano, era difícil operar ônibus?
A.A: Bastante. São Bernardo do Campo, na época que eu fundei a Santa Rosa tinha só 30 mil habitantes (hoje são mais de 765 mil). A única rua que era calçada era a Marechal Deodoro, no centro, que saía direto na Anchieta.
A.B: E qual foi o primeiro modelo de ônibus que o senhor começou a operar na Santa Rosa?
A.A:. Foi o Super Volvo. A linha só tinha três ônibus.
A.B: E a carroceria?
A.A: Era Carbrasa.
AB: Carro potente para a época?
A.A: Foi um dos melhores carros que tive na minha vida de transportador.
A.B.: E há quanto tempo o senhor é transportador?
A.A: Desde que eu nasci em 1930 (risos).
A.B: Isso está no sangue?
A.A: Meu pai já era transportador. Ele começou com carga transportada em carroção com burro. Depois se tornou empreiteiro, prestou serviços para a Prefeitura de São Paulo, chegando a ter 22 caminhões.
A.B: A família era do ABC?
A.A: Não, eu mudei para o ABC quando eu comprei a linha da EAOSA. O nome da Santa Rosa, a partir de 1957, foi uma homenagem a minha mãe, dona Rosa.
A.B.: E como era a pintura da Santa Rosa?
A.A: Quando eu comprei, com o Super Volvo, era preto e amarelo, com faixas. Depois que eu comprei o Mercedes o desenho mudou, mas as cores continuaram as mesmas.
A.B: O senhor ficou com a Santa Rosa até que época?
A.A: A Santa Rosa eu vendi em 1964 para Thomaz Pirozzi Neto. Ele era banqueiro, dono do Banco Real do Progresso de São Caetano. Ele já tinha comprado a Viação São Bento, também em São Caetano.
A.B: Em 1964, ano que o senhor vendeu a Santa Rosa, o senhor adquiriu outra empresa?
A.A.: Eu comprei a Auto Viação Moema no fim de 1963 e tomei posse em 1º de janeiro de 1964.
A.B: O nome já era Moema? O senhor comprou de quem?
A.A: A empresa se chamava Moema já. Eu comprei de um grupo de Santo André, a família Begliominni. Eles tinham várias empresas, como a Rio Bonito em São Paulo, e a Campestre, em Santo André.
A.B:. Por quanto tempo o senhor ficou com a Moema?
A.A: Até 1972, quando eu vendi para Antônio Saad, o Toninho da Tapajós. Ele também comprou a Gatusa. A mesma família Saad do Grupo Bandeirantes de Rádio e TV.
A.B.: E como era a região de Moema e operar transportes lá?
A.A.: A Moema não tinha um bom crescimento, ela não tinha uma “ponta forte”. Ela começava em Moema, ali na Rua Macuco. Eu era para ter estendido até a região da Monções, mas a Viação Monções era do meu irmão, Arnaldo. Então não fiz isso porque uma linha poderia prejudicar a outra.
A.B: Seu irmão fundou a Monções?
A.A.: Não, já existia e ele comprou na mesma época que eu comprei a Moema. Ele também foi sócio da Bola Branca e da Impala, que fazia São Paulo – Belo Horizonte e depois foi assumida pela Viação Cometa.
A.B: Era boa a demanda da Moema?
A.A. O número de passageiros crescia nas linhas que serviam regiões mais periféricas, o que não era o caso da Moema. Para você ter uma idéia, eu comprei a Monções com 26 carros depois adquiri mais 4 ônibus novos só para fortificar a linha, mas não precisava.
A.B.: A Moema tinha uma linha só?
A.A.: Era comum as empresas serem formadas por uma linha naquela época. A minha linha era Moema – Praça da República, passando pela Rua Vergueiro e Vila Mariana.
A.B: E os modelos de ônibus?
A.A: Eram vários no início. Em 1970, eu comprei 12 ônibus Monoblocos Mercedes Benz novos para atender a demanda da melhor maneira. Naquela época chegou o Metrô e tirou minha demanda na Rua Vergueiro. Então a CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos) me sugeriu fazer um ramal pela Avenida Brigadeiro Luís Antônio. A linha foi dividida em duas: pela Brigadeiro e outra parte da frota passava por cima. Teve de ser feita uma variante. A avenida São Luís, eu descia ela. Depois foi mudada a direção da via e começamos a subir pela Brigadeiro Luís Antônio.
A.B.: E os primeiros modelos da Moema, antes da compra dos Monoblocos?
A.A: Eu tinha modelo da Grassi, tinha da Caio e da Carbrasa (todas encarroçadoras)
A.B: E como era a pintura?
A.A: Preto, Amarelo e Verde?
A.B: Como eram escolhidos os desenhos da pintura?
A.A: Na Moema eram faixas. Quando eu coloquei os ônibus novos Monoblocos, em 1970, a Mercedes é quem fornecia os desenhos e nós escolhíamos as cores.
A.B: Voltando um pouco à Viação Santa Rosa? Foi difícil prolongar a linha que ia para o Litoral? A que órgão era necessário pedir?
A.A: O órgão era o DER – Departamento de Estradas de Rodagem, que cuidava das linhas de ônibus intermunicipais. (Não havia ainda Artesp para rodoviários e EMTU para metropolitanos). Quando eu estendi para a zona Leste, eu queria levar a linha na verdade para Guarulhos. Tenho um pedido destes guardado até hoje. Era para ser de Guarulhos a Santos. O ônibus sairia de Guarulhos, passaria pela quarta divisão e entraria direto em Santo André. Mas não me deram autorização. Não alegaram nada. Eu pedi para fechar o setor. Se entrasse outra pessoa e fosse por Santo André me prejudicaria porque naquela época não havia tanta demanda para concorrência.
A.B: E como lidava com esta realidade de baixa demanda?
A.A: Então, a Santa Rosa também foi empresa de fretamento. O que me salvou um pouco é que eu fiz muito transporte de fretamento para a Mercedes e a Willys Overland, as duas fábricas em São Bernardo do Campo. Durante a semana, os ônibus ficavam ociosos na linha para o Litoral, então eu mantinha os motoristas com estes serviços de fretamento.
A.B.: Qual sua mensagem vendo o passado e o presente do setor de transportes em São Paulo e Região Metropolitana?
A.A: Eu fico feliz em ver a evolução dos transportes. Progrediu bastante no material rodante, os ônibus, em comparação aos veículos rústicos, com suspensões, embreagem e direção duras ainda em ruas de terra, são atualmente muito bons. Quem se queixa hoje reclama de barriga cheia. Tinha de ter braço, direção hidráulica era muito raro. – finaliza Arnaldo Aquilino.
São Paulo evolui de uma tal maneira que em várias regiões da cidade, a malha de transportes já não é mais suficiente. É necessário aproveitar o momento de transformação pelo qual passa o País, com uma sociedade e órgãos como o Ministério Público, mas cientes dos direitos do cidadão e mais exigentes, para combinar soluções, com corredores de ônibus modernos e que ofereçam rapidez ao usuário do transporte público, do tipo BRT (Bus Rapid Transit) e expansão da malha metroferroviária, sempre respeitando o dinheiro público, implantando cada modal de transporte de acordo com as necessidades da população, com as demandas locais, características geográficas e urbanas, dentro da realidade financeira das cidades.
Como foi visto na história da cidade de São Paulo, os transportes públicos foram responsáveis pelo desenvolvimento do município e região metropolitana.
E hoje a cidade perde oportunidades de se desenvolver (não apenas crescer) pela falta de prioridade aos transportes públicos, uma questão até de lógica e democracia na ocupação do concorrido espaço urbano.
Oitenta pessoas que optam (ou são obrigadas) dividir lugar num veículo de 12 metros de comprimento precisam ter uma compensação no uso do espaço urbano com prioridade sobre outras oitenta pessoas que usam 40 carros (duas em cada um, em média) e ocupam 168 metros de comprimento nas vias.
Além disso, por conta do excesso de veículos, muita qualidade de vida e dinheiro se perde em meio aos poluídos congestionamentos, que faz com que motores queimem a toa litros e toneladas de combustível por dia.
Mas o crescimento da oferta de transportes tem de olhar um pouco para trás e apesar de a demanda bem maior e realidades econômicas e urbanas diferentes não perder o mesmo espírito da época de Adolpho Aquilino: pensar sim em sustentar os negócios de transportes, torná-los lucrativos para continuar crescendo, sem, no entanto, deixar de lado o ser humano, como foco principal do setor, porque nunca é demais lembrar que o transporte é uma atividade humana feita para o ser humano.
Publicado em 25/01/2012 porAdamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes. Blogpontodeonibus
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